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Author: rupereta servindo sempre


A BÍBLIA EM PORTUGUÊS
B. P. Bittencourt

 
A história da Bíblia em português é cheia de lances dramáticos e tão antiga quanto a da Bíblia inglesa, pois os primeiros ensaios de tradução datam dos tempos do rei D. Diniz (1279-1325), antes mesmo de Wyclif. A primeira porção traduzida foi os vinte primeiros capítulos do Gênesis, da Vulgata latina, pelo próprio rei D. Diniz. Mas o Novo Testamento só mais tarde foi traduzido para o português, talvez uns cincoenta anos depois de Wyclif, quando D. João I era rei (1385-1433), o qual ordenou a tradução dos Evangelhos, dos Atos e das Cartas Paulinas, trabalho que foi executado provavelmente por padres católicos e certamente da Vulgata. A publicação das porções acima do Novo Testamento se adicionou o livro dos Salmos, traduzido pelo próprio rei.
Outras traduções, sem grande importância para a história da Bíblia em português, seguiram-se. De acordo com a tradição, a Infanta D. Filipa, filha do senhor Infante D. Pedro e neta do rei D. João I, traduziu os Evangelhos do francês, O Frei Cistersence Bernardo de Alcobaça traduziu da Vulgata o Evangelho de Mateus e parte dos outros, publicando seu trabalho em Lisboa no século quinze. Em 1495 uma Harmonia dos Evangelhos foi publicada em Lisboa por Valentim Fernandes. No mesmo ano um jurista chamado Gonçalo Garcia de Santa Maria traduziu as Epístolas e os Evangelhos. Dez anos depois os Atos e as Epístolas Gerais foram traduzidos por ordem da rainha Leonora. A linguagem portuguesa destes primeiros ensaios é arcaica. Algumas destas tentativas usaram um português tão arcaico como o inglês de Wyclif.
O futuro da Bíblia em português dependia, entretanto, de João Ferreira de Almeida, nascido em Tôrre de Tavares, próximo de Mangualde, Portugal, em 1628. Seu primeiro trabalho foi a tradução do espanhol de um resumo dos Evangelhos e Epístolas. Este não foi publicado. Mais tarde (1644-1645), com dezessete anos de idade somente, ele traduziu o Novo Testamento da versão latina de Beza. Anos depois ele sente a necessidade de apresentar o Evangelho ao povo de Portugal numa tradução mais séria. Após aprender grego e hebraico, começou sua tradução do Novo Testamento tendo como base o chamado "Textus Receptus," segunda edição de 1633, publicada por Elzevir. Este trabalho ele o findou em 1670, mas a publicação só teve lugar em 1681, em Amsterdam, na Holanda, cujo título "O Novo Testamento Isto he o Novo Concerto de Nosso Fiel Senhor e Redemptor lesu Christo traduzido na Língua Portuguesa" revela o tipo de linguagem usada. Antes que saísse do prelo sua tradução, em 1° de Janeiro de 1681, Almeida publicava uma lista de mais de mil erros em seu Novo Testamento, e Ribeiro dos Santos afirma serem mais. Estes erros eram devidos ao trabalho de revisão feito por uma comissão holandesa que procurou pôr a tradução de Almeida em harmonia com a versão holandesa. Algumas razões levam-nos a crer haver sido esta uma versão pobre no dizer de Ribeiro dos Santos. O texto grego do qual ele traduziu não era bom, embora fosse o melhor do tempo. Sua linguagem não era boa não só por haver deixado Portugal muito cedo, mas também porque tentou fazer uma tradução literal, seguindo muito de perto a versão holandesa de 1637 e a castelhana de Cipriano de Valera de 1602.
Também o trabalho de revisão, como já dissemos, feito por seus colegas holandeses, piorou ainda mais seu trabalho. Os reflexos da edição de Beza são grandes.
Apesar de tudo, a tradução de Almeida encerra algumas coisas notáveis. Ela teve lugar em Batávia, na ilha de Java, milhares de quilômetros longe de Portugal. Realizou-se numa terra cuja língua oficial não era o português. Era a décima terceira tradução numa língua moderna depois da Reforma. Feita por um pastor protestante, destinava-se a um país católico, como Portugal, que só poderia receber de bom grado uma tradução do Novo Testamento feita diretamente da Vulgata. E o mais dramático lance de sua grande obra é que até hoje em terras de Portugal, do Brasil e colônias, sua tradução, que já sofreu inúmeras reformas, ainda é usada e querida.
Somente no começo do século dezoito a Bíblia inteira, na tradução de Almeida, foi publicada.
Foi Antônio Pereira de Figueiredo, filho de Mação, Portugal, onde nasceu em 14 de Fevereiro de 1725, quem realizou a primeira grande tradução da Vulgata para o português. Seu trabalho consumiu-lhe dezoito anos de esforços.
O Novo Testamento apareceu primeiro, em 1781 e a Bíblia toda, em seis volumes, pouco depois. A linguagem de Figueiredo é inegavelmente superior à de Almeida. Alguns fatores contribuíram para esta melhora. Figueiredo possuía cultura muito superior à de Almeida e ele traduzia a Bíblia e publicava seu Novo Testamento exatamente um século depois da obra imortal de Almeida. Embora revelando sensível melhora quanto ao português da tradução, Figueiredo não pode escapar aos defeitos de uma tradução que tem por base a Vulgata que, no parecer de um erudito[1] mera revisão do Velho Latim, textos antigos do Novo Testamento, vertidos do Grego, que Jerônimo usou para seu trabalho e com tendências peculiares. A tradução de Figueiredo tem sido usada pela Igreja Romana e, depois da aprovação da rainha D. Maria II em 1842, já sem os livros apócrifos, conseguiu entrada em Portugal e colônias, em publicações feitas pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira.
Além do trabalho de revisão proposto pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, sob os auspícios de duas comissões, uma em Portugal e outra no Brasil, sem frutos positivos, isto em 1886, a tradução de Figueiredo aparece em 1896 numa curiosa edição, na qual o texto latino da Vulgata surge em colunas paralelas à sua tradução portuguesa. Esta edição foi também ilustrada com cerca de mil gravuras e porque publicada sob os auspícios da Igreja Romana, incluía os apócrifos. Em 1932 nova edição sob o nome de Figueiredo foi publicada pela Livraria Católica do Rio de Janeiro, porém o texto era baseado na tradução popular do Padre Santos Farinha, com comentários baseados em vários teólogos católicos.
A primeira tradução da Bíblia iniciada no Brasil foi pelo refugiado Bispo de Coimbra, Frei D. Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré, o qual publicou só o Novo Testamento em São Luís, Maranhão, em 1875, sendo o trabalho de impressão feito em Portugal.
O século vinte viu florescer no Brasil uma série grande de traduções do Novo Testamento e da Bíblia toda, tanto do lado Protestante como da Igreja Católica. Duas tentativas sem grande importância tiveram lugar. D. Duarte Leopoldo e Silva, traduz e publica os Evangelhos, arranjados como uma harmonia. Depois o Colégio da Imaculada Conceição, Botafogo, Rio de Janeiro, publica uma tradução dos Evangelhos e Atos, do francês, preparada por um padre católico, em 1904.
Os Padres Franciscanos iniciam um trabalho de versão na Bíblia em 1902 e, embora traduzindo da Vulgata, tentaram fazer um trabalho realmente crítico.
Sua edição dos Evangelhos e Atos apareceu em 1909. Estava reservada ao então Padre Huberto Rohden a primeira tradução diretamente do texto grego para o português. Isto ele o fez num trabalho começado quando estudante na Universidade de Innsbruck, Alemanha (1924-1927) e terminado no Brasil. Publicado sob os auspícios da Cruzada da Boa Imprensa, organização Católico-Romana, trazia o imprimatur do Censor e do Bispo de Santa Maria, R.G. Sul. Sua tradução, apresentando linguagem muito bela, traz ainda os defeitos de um texto base não muito firme e as tendências e preconceitos de todo o tradutor católico, o que é fácil de ser verificado num exame minucioso de sua tradução.
O trabalho do Padre Matos Soares, a versão mais popular da Igreja Romana no Brasil nos dias que correm, é realmente pobre. Traduzindo a Bíblia inteira da Vulgata, inclusive os apócrifos, seu trabalho não poderia ser dos melhores desde que o texto base de sua tradução é pobre, sendo já uma tradução latina do original grego e com tendências peculiares como já foi dito acima. Sua tradução é altamente tendenciosa e cheia de preconceitos. Ele procura intercalar entre as palavras e frases do texto bíblico palavras suas de esclarecimento que às vezes somam maior espaço que o do texto sagrado propriamente dito.
Haja vista o que se lê em II Tim. 2.13:
Se não crermos (se formos infiéis),
ele permanecerá fiel (às suas promessas),
não pode negar-se a si mesmo (deixando de nos castigar)."
As palavras entre parêntesis e em grifo são interpolações do tradutor e representam mais de cincoenta por cento de todo o texto. Estas interpolações, como no texto acima, ou em II Tim. 3.8-9, 5.9a-11, são altamente tendenciosas e procuram inculcar princípios dogmáticos de sua Igreja. Notas no rodapé como em Daniel 10.13, Marcos 8.27, 30, etc. revelam uma candura e inocência a toda a prova. Exame minucioso do texto grego e sua tradução, como, por exemplo no caso da palavra grega thusia (sacrifício), mostra o esforço que o tradutor realiza para doutrinar através de uma tradução. Esta tradução mereceu apoio papal em carta do Vaticano, datada de 1932.
A Tradução Brasileira, iniciada em 1904 por uma comissão sob a direção do Dr. H. C. Tucker, e terminada em 1917 com a publicação de toda a Bíblia, não vingou em terras do Brasil e Portugal. Entre 100 Bíblias vendidas pela Sociedade Bíblica do Brasil, somente 8 são exemplares da Tradução Brasileira, diz a Revista da Bíblia n.° 31, de 1956. A dicção portuguesa foi grandemente melhorada e as frases revelam gosto pela língua; também muitas das expressões orientais ficaram de lado.
A obra de Almeida foi coroada com a última revisão da Bíblia por uma comissão que trabalhou no Rio de Janeiro desde 1945, sob os auspícios da Sociedade Bíblica do Brasil.
Trabalho magnífico onde se melhorou sensivelmente a linguagem e a própria tradução. Mas cremos algo melhor poderia ainda ser alcançado não fora o texto grego base que serviu à revisão e a impossibilidade para aquela comissão de um trabalho crítico textual. Também uma modernização de termos expressando conceitos geográficos e matemáticos, como medidas de tempo, volume e extensão, moedas, etc. Alguns textos envolvendo questões teológicas também poderiam ter outra tradução se ventilados em atmosfera mais livre.
Todavia esta tradução exprime grande avanço e revela nossa capacidade em matéria de tradução.
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Nota:
[1] Kenyon, Frederie, Handbook to the Textual Criticism of the New Testament (Grand Rapids, W. M. Eerdmans Pub. Co.), pág. 218.

Fonte: COMO NOS VEIO A BÍBLIA? - Edgar J. Goodspeed
 
Andrezinho rupereta

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