Diálogo com um Filósofo Ateu

Domício Pereira de Mattos



Meu caro filósofo Michel Onfray:

Apresento-me a você como teólogo, com mestrado no Union Theological Seminary de Nova York e experiência religiosa cristã, aos 89 anos e 6 meses, sem o menor arrependimento de ter vivido a fé cristã. Conheci-o e admirei-o através de sua entrevista em "Veja", publicação brasileira que chegou às minhas mãos ontem (22 de maio de 2005). Fiquei espantado, ao terminar a leitura, por concordar com algumas de suas afirmações... Pode, porventura, um cristão na provecta idade, próxima dos 90 anos, concordar, em algum ponto com o pensamento de um filósofo ateu de 46 anos?...

Pode.



1. Concordo com você quando diz: "...quando uma pessoa não se contenta apenas em acreditar estupidamente, mas começa a fazer perguntas sobre os textos sagrados, a doutrina, os ensinamentos da religião, não há como chegar às conclusões que eu proponho. Trata-se de não deixar a razão, com R maiúsculo, em segundo plano, atrás da fé." Claro, a fé não pode ser irracional. Inverto: não podemos deixar a fé, com F maiúsculo, em segundo plano atrás da razão. Fé e razão são irmãs gêmeas e juntas apontam para a Verdade.



2. Concordo com você quando afirma que existem mecanismos religiosos ilusórios e que "o encanto e a magia da religião desaparecem quando se vêem as engrenagens, a mecânica e as razões materiais por trás das crenças". Sim, inúmeras vezes mecanismos, engrenagens e razões materiais deturpam a crença. O cristianismo condena escribas e fariseus hipócritas (presentes em toda a as religiões). Fabricam as engrenagens, a mecânica e razões materiais para sustentar "crenças" que, de fato roubam a liberdade e a dignidade da pessoa humana e favorecem financeiramente os promotores dessa ação que ofende a moral. Todo o capítulo 23 do Evangelho de Mateus traz a palavra de Jesus Cristo contra esse tipo de religiosidade. A leitura desse capítulo do Evangelho é como se estivesse lendo o seu minuncioso discurso contra procedimentos religiosos...



3. Concordo com as contradições, apontadas por você, nos livros religiosos cristãos, judeus e muçulmanos, entre a pregação da paz e a violência que praticam; o mandamento "não matarás" e ao mesmo tempo autorizando a matar e até dizendo como fazê-lo. Suas palavras: "O que quero é mostrar que as religiões, que dizem querer promover a paz, o amor ao próximo, a fraternidade, a amizade entre os povos e as nações, produzem na maior parte do tempo o contrário. Se devem a eles (os que crêem em Deus) tantas barbaridades terrenas, extremamente humanas, como prova da inanidade das doutrinas"... Em face dessas contradições e inanidade até justifico o seu ateísmo. Apenas afirmo que tais contradições surgem no conceito que se tenha de Deus. Em face de alguns desses conceitos, eu também sou ateu.



Exemplo 1: Na Praça de São Pedro, no Vaticano, em fins de Setembro de 1935, o Papa Pio XI reza uma missa campal e abençoa, em nome de Deus, o exército italiano que partia para invadir a Etiópia, na África... Que deus é esse que abençoa exército que parte para a guerra, invadindo nação mais fraca, destruindo e matando gente inocente?!... Nesse deus eu não creio!



Exemplo 2: Na base americana de Canaveral, Flórida, numa madrugada, entre os dias 5 e 6 de Agosto de 1945, altas autoridades civis e militares se postam em torno de um avião; o capelão protestante lê a Bíblia, ora a Deus pedindo para abençoar o piloto e avião que, naquela madrugada partia para o Japão. Levava sob suas asas a bomba atômica que seria lançada sobre Hiroshima... Que deus é esse que abençoa avião e a bomba a ser lançada sobre uma cidade indefesa, destruindo-a, e matando oitenta mil inocentes e inutilizando outros oitenta mil para o resto da vida?!... Se deus é isso e autoriza essa prática de violência, então eu sou ateu: não creio nesse deus!...



Clamo com você contra essa contradição que afirma ser Deus Amor e ao mesmo tempo abençoador de assassinos... Só que você, por causa desses conceitos, se torna ateu; eu continuo a acreditar no Amor de Deus e a deplorar aquelas concepções estapafúrdias de um deus que manda matar!?... Desgraçadamente, nação dita cristã, em nome de princípios religiosos, invade a outra, mata inocentes, sacrifica seus soldados e o "mundo chamado cristão" fica torcendo pelo êxito de missão tão contraditória com aquilo que Deus verdadeiramente é...



4. Concordo com você quando diz: "...uma pessoa não se contenta apenas em acreditar estupidamente, mas começa a fazer perguntas (...) e dar à razão o poder e a nobreza que ela merece. Essa a missão, a tarefa e o trabalho do filósofo, pelo menos de todo o filósofo que se dá ao respeito", apenas acrescento: o filósofo não precisa ser ateu. Cito Sócrates: "Espero com paciência até que saibamos com certeza como nos devemos portar para com Deus e para com os homens" (*). Insisto, com o seu discípulo Platão, que, na mesma linha, prossegue; "Esperamos por alguém, seja um deus ou um homem inspirado para instruir-nos acerca dos nossos deveres e tirar as trevas dos nossos olhos" (*). E, ainda, Pitágoras: "Não é fácil conhecer os deveres a não ser que o próprio Deus os ensine, ou alguma pessoa que os tenha recebido de Deus ou os tenha conhecido por algum processo divino" (*). Pergunto: são eles(Sócrates, Platão, Pitágoras) "filósofos que não se dão ao respeito"?... (*) As citações com asterísticos estão na página 112, Volume I da Systematic Theology de Augustus Hopkins Strong.



5. Bem postas suas palavras sobre o Papa: "O fervor pela morte de João Paulo II tem a ver com o fato de ele ter sido o primeiro "papa catódico", o homem mais filmado do planeta." Não sou católico, entretanto, considero que Wojtyla foi um cristão sincero e como cristão presumo que sua luminosidade e florescência teve como cátodo invisível, que penetra corpos opacos e o fazem resplandecer, não os holofotes da tecnologia televisiva e sim a luz do Cristo, que se projeta naquele que sinceramente crê nele, a ponto de dar-lhe esta missão: "brilhe a tua luz diante dos homens" (Mateus 5.16). Se todo cristão projetasse essa luz o mundo seria maravilhoso!



6. Você insiste em um ponto controvertido: "A filosofia permite a cada um a apreensão do que é o mundo, do que pode ser a moral, a justiça, a regra do jogo para uma existência feliz entre os homens, sem que seja preciso recorrer a Deus, ao divino, ao sagrado, ao céu, às religiões. É preciso passar da era teológica à era da filosofia de massa". Quem aqui, não concorda com você são os filósofos acima citados e eu inverteria, outra vez, a sua proposição: É preciso passar das lucubrações filosóficas para a era da teologia de massa... Aliás, teologia é um campo da filosofia.



7. Finalmente, já estamos em campos de não concordância, porque eu penso como os críticos católicos, citados por "Veja", que alegam serem suas idéias uma repetição de antigos argumentos contra a existência de Deus e a religião. E você concorda, afirmando: "Não se pode fazer muito a respeito, a não ser dizer e realizar o que é verdade há muito tempo. E repetir que os cristãos têm pouca moral para me responder por dizer antigas verdades, quando eles mesmos propagandeiam erros ainda mais antigos". Volto a concordar, em parte, com você: cristãos não muito autênticos (católicos, ortodoxos, protestantes ou evangélicos) propagandeiam erros que nada têm a ver com a filosofia cristã de vida. Como também muitos filósofos, através dos tempos afirmaram coisas absurdas, estratosféricas que nada têm a ver com a realidade vivencial.



Concluo afirmando que o meu "diálogo" com a entrevista que você deu à "Veja" não tem absolutamente a intenção de convertê-lo do ateísmo ao teísmo. Respeito a sua vocação atéia-filosófica e volto a felicitá-lo pelas idéias colocadas na entrevista porque são, na verdade, um alerta aos religiosos, especialmente aos meus irmãos cristãos... Propagam muito a fé, mas vivem muito pouco o que ensinam. São eles os responsáveis pelo ateísmo e cepticismo que se alastram pelo mundo. Falam de Jesus Cristo, que é a Verdade, mas são incapazes de viverem o seu ensino, cujo fundamento é o AMOR... Brigam uns com os outros. Criam os guetos religiosos e se tornam, em cada um deles, os donos da verdade e nunca se lembram da oração de seu Mestre e Senhor: "Ó Pai, que todos os que crêem em mim sejam um, como tu és em mim e eu em ti, para que o mundo creia" (João 17:20-21). Faço de sua entrevista um libelo a fim de acordar a consciência cristã para a responsabilidade do testemunho da fé em Cristo, Senhor nosso.



Não dou provas da existência de Deus porque não as tenho e não as encontrei na teologia e nem na filosofia, entretanto jamais encontrei também provas da não existência do Ser Supremo, aquele que é desde toda a eternidade; chame-o como quiser; Javé, Alá, Adonai, Eloim, Energia Cósmica, Deus, Cristo ou Espírito Santo...



Crer em Deus é um sentimento, profundamente introspectivo e pessoal. Sinto Deus como o ar que respiro... Sem Deus em mim, eu não sou nada!




O Poder do Evangelho
GEORGE CAMPBELL MORGAN NASCEU EM TETBURY, Inglaterra, em 9 de dezembro de 1863. Em 1889, foi ordenado para o ministério da Igreja Congregacional, e depois de vários pastorados na Inglaterra, tornou-se ministro da capela de Westminster, em Londres, onde pregou até 1917, De 1917 a 1929. Engajou-se em pregar em conferências e cultos especiais na Grã-Bretanha e Estados Unidos. De 1929 a 1932, foi pastor na Igreja Presbiteriana do Tabernáculo, na Filadélfia.
Depois de voltar a Londres em 1933, assumiu por um segundo período o pastorado na capela de Westminster, onde em 1938 o Dr. Martyn Lloyd-Jones uniu-se a ele nas atividades pastorais. Permaneceu na capela de Westminster até a morte, em 1945. O Dr. Morgan é autor de mais de sessenta livros, sendo o mais conhecido 'The Crisis of the Christ (As Crises de Cristo). Foi um dos mais famosos pregadores do mundo de língua inglesa e reunia grandes congregações onde quer que pregasse. Seu método homilético era expositivo em vez de tópico, e ele assume elevada posição como pregador expositivo. De estatura alta e de maneiras e métodos singulares, o Dr. Morgan foi uma das personalidades mais marcantes do púlpito contemporâneo.
O Poder do Evangelho
Porque fito me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé." (Rm 1.16,17)
QUANDO o apóstolo Paulo escreveu esta carta, ele nunca " tinha visitado Roma. Ele almejava fazê-lo e esperava que seu desejo se cumprisse. Este desejo foi gerado por sua cidadania romana e por seu interesse na igreja cristã em Roma; e sobretudo porque ele ansiava que a igreja naquela cidade fosse um instrumento para a evangelização do mundo ocidental. Escrevendo aos santos na cidade imperial, ele declarou que não se envergonhava do Evangelho, e deu suas razões.
A declaração de que ele não tinha vergonha é em si interessante. É a única ocasião na qual encontramos Paulo sugerindo a possibilidade de estar envergonhado do Evangelho. Estou perfeitamente cônscio de que esta é uma declaração da qual ele não se envergonhava; mas por que fazer a declaração? Penso haver apenas uma resposta, e é sugerida pelas palavras que imediatamente precedem o texto: "E assim, quanto está em mim, estou pronto para também vos anunciar o evangelho, a vós que estais em Roma" (Rm 1.15). A declaração de que ele não se envergonhava do Evangelho, com a implicação da possibilidade de estar envergonhado, era o resultado da consciência que ele tinha da cidade de Roma — da sua dignidade imperial, da sua magnificência material, do seu desprezo orgulhoso por todos os estrangeiros, da imensidade de suas multidões, da profundidade da sua corrupção. Não havia dúvida em sua mente sobre o poder do Evangelho que ele pregava e, não obstante, detectamos o cicio da investigação quando ele escreveu: "Estou pronto para também vos anunciar o evangelho, a vós que estais em Roma. Porque não me envergonho do evangelho de Cristo ".
Sempre é mais fácil pregar num vilarejo do que numa cidade, ao povo afável e simples da zona rural do que aos metropolitanos satisfeitos. Não é bem assim, mas é o sentimento que tão invariavelmente assalta a alma do profeta de Deus. Em resposta à consciência da alma, ou talvez em resposta ao sentimento que tal consciência existisse na mente dos cristãos romanos, Paulo afirmou sua prontidão em também pregar o Evangelho em Roma. Declarando que ele não se envergonhava dele e dando como razão que este Evangelho era "o poder de Deus para salvação". A única justificação de um evangelho é que ele é poderoso. A mensagem que proclama a necessidade da possibilidade de renovação espiritual e moral deve ser testada pelos resultados que produz. A palavra destituída de poder não é a Palavra do Senhor. O evangelho que não produz os resultados que preconiza serem tão necessários e tão possíveis não é evangelho. Nosso Evangelho é o poder de Deus?
Permitam-me dizer imediatamente que o impulso particular de minha mensagem de hoje à noite me veio em resultado de uma longa carta que tenho em mãos, quatro páginas cuidadosamente escritas que não lerei por, mas que li repetidas vezes para proveito e exame de minha própria alma como pregador do Evangelho, e da qual proponho ler algumas frases. A carta foi escrita em 23 de setembro e refere-se a reuniões que tinham sido feitas em preparação ao trabalho de inverno:
"Você disse na terça-feira à noite que homens em todos os lugares buscam a realidade, e concordo totalmente. Muitas vezes ouvimos falar sobre a dinâmica do Cristianismo. Há moços e jovens — falo somente daqueles sobre cujas tentações sei alguma coisa — que têm de enfrentar tentações, e mesmo nesta semana tem clamado ao Senhor Jesus em busca de ajuda e procurado o melhor que sabem para vencer, sem sucesso.
Quando um jovem me pergunta de onde ele obtém poder para vencer, o que digo? Um chegou a comentar: 'Não é uma falta que nossa religião não proporcione poder real para vencer tais e tais tentações, tentações que não podem ser evitadas e que têm de ser enfrentadas?'. Os homens não querem somente uma idéia teórica ou idéias sobre a dinâmica do Cristianismo, eles querem saber como se apropriar dessa dinâmica na prática. Obreiros cristãos zelosos querem saber até onde e de que modo eles podem encorajar os espiritualmente doentes e cegos à esperança de ajuda espiritual depois que eles creram e tiveram os pecados perdoados. A experiência mostra que não deve ser questão de mera inferência, pois seria provável que a inferência prometesse mais do que geralmente é percebido. Oferecer esperanças que a experiência irá desapontar é desastroso. Ha realidade que os homens desejam ardentemente".
Acredito que a carta expressa a busca e o sentimento de muitas almas. Penso que meu amigo agarrou-se a uma palavra pela qual ele sabe que sou peculiarmente apaixonado: a palavra dinâmica. Confesso-me culpado; eu amo a palavra e a uso muito porque é uma palavra do Novo Testamento. É a mesma palavra do meu texto: O Evangelho é o poder (dunamis) de Deus para salvação. A carta de meu amigo é praticamente um desafio da declaração do meu texto. O texto diz que "o evangelho [...] é o poder de Deus para salvação". Meu amigo sugere que haja homens que ouvem a chamada de Jesus, são obedientes e, todavia, não experimentam esse poder. Não vou discutir os pontos da carta, mas antes considerar a declaração de Paulo, esperando e acreditando que nessa reflexão e noesforço de entender o significado do grande apóstolo nesta questão, sirva de ajuda para pessoas honestas cuja dificuldade foi enunciada pelo escritorda carta.
Direi ao escritor da carta e a todos os que se colocam ao lado dele que concordo não haver nada mais importante hoje em dia do que o pregador e mestre cristãos serem verdadeiros no uso dos termos. Mas todos os que fazem essa exigência têm de reconhecer a dificuldade extrema da realidade na terminologia, quando lidam com forças espirituais que nunca podem ser perfeitamente apreendidas. Sempre que temos de lidar com grandes forças, encontramo-nos em dificuldade semelhante. Não sou eletricista, mas proponho uma questão sobre se o termo "desenvolver eletricidade" é um termo preciso. Não digo que não é, mas pergunto: Alguém pode desenvolver a eletricidade? Afinal de contas, não é uma palavra que arriscamos até que tenhamos conhecimento mais completo? Hã alguém nesta casa, em Londres ou no mundo, que esteja preparado para nos contar a última novidade sobre eletricidade, não só no que concerne ao que pode ser feito por ela, mas também sobre o que é? No momento em que entramos no escopo das grandes forças que são intangíveis, imponderáveis, demonstradas
pelo que fazem, é que estamos pelo menos em perigo de sermos irreais em nossos termos. Estamos lidando agora com a mais maravilhosa de todas as forças. Ao final de nossa meditação, haverá indubitavelmente um sentimento de que alguns dos termos de que fizemos uso parecem carecer de realidade. Não é que a força lidava com o que é irreal, mas que está tão além de nossa explicação final, que 06 termos não podem revelar quais cobrem os fatos do caso, enquanto não tiver sido excluído tudo o que deva ser excluído.
Limitando-nos às palavras selecionadas, consideremos: primeiramente, a afirmação: "O evangelho [...] é o poder de Deus para salvação": em segundo lugar, a condição na qual o poder é apropriado: "De todo aquele que crê"; e, por último, a exposição da operação que o apóstolo Paulo acrescentou: "Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé".
Em primeiro lugar, então, detenhamo-nos na afirmação. Aqui não são necessárias muitas palavras. O apóstolo declara que "o evangelho [...] é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê". O poder, que é algo que produz resultados; algo que é mais que teoria; algo que é mais poderoso que uma lei; uma força espiritual e presente que produz resultados espirituais; um poder vigente que realiza coisas. O que há em si pode ser um mistério; como o poder que faz o trabalho não pode ser conhecido: mas o apóstolo declara que realiza certas coisas, e sabemos que o Evangelho é mais que teoria, mais que lei. que é poder, pelos resultados que produz. Além disso, ele faz a declaração superlativa de que é "o poder de Deus". Este é o modo de declarar sua suficiência pela realização de certas coisas. Em qualidade é irresistível, em quantidade é inesgotável. Não obstante, ele declara mais adiante que é "o poder de Deus para salvação". Isto imediatamente define e limita o poder do Evangelho. O Evangelho é o poder que opera só até a esse fim. O Evangelho é o poder que opera perfeitamente a esse fim.
A palavra salvação imediatamente indica a investigação quanto ao perigo a que está referido, pois saber o perigo é saber o âmbito da salvação. Aqui, para resumir brevemente, o perigo é duplo: contaminação da natureza e paralisia da vontade. Os homens descobrem que a natureza fica tão debilitada na presença da tentação que eles se entregam; e a vontade fica tão paralisada que mesmo quando eles têm vontade de não se entregar, ainda assim se entregam. Esta é a história do perigo. O apóstolo declara que o Evangelho é "o poder de Deus para salvação", ou seja, para purificação da natureza de sua contaminação e para capacitação da vontade, de forma que doravante o homem não só deseje fazer o bem, mas que o faça.
É perfeitamente claro, contudo, que o Evangelho só opera na vida humana pelo cumprimento de certas condições. O Evangelho não é o poder de Deus para todo homem. "O evangelho [...] é o poder de Deus para [...] todo aquele que crê". Neste ponto, o apóstolo reconheceu a possibilidade humana, isto é, a possibilidade comum a toda natureza humana, independente de raça ou privilégio. "Primeiro do judeu e também do grego".
As condições podem ser cumpridas por homens como homens, à parte de questões de raça, privilégio ou temperamento. O Evangelho pode ser crido pelo metropolitano ou pelo provinciano, pelo morador de Roma tão certo quanto pelos moradores de pequenos povoados pelos quais ele tinha passado, pelos instruídos ou pelos íletrados. A crença é a capacidade e possibilidade de vida humana em todos os lugares.
O que é esta capacidade? Temos de interpretar o uso do verbo crer por seu uso constante e consistente na revelação do Novo Testamento. Tem de haver convicção antes que haja crença. A crença sempre está fundamentada na razão. Corno as pessoas podem crer se não ouviram? A convicção não é necessariamente a convicção da verdade da reivindicação; não é necessariamente a convicção de que o Evangelho operará. Pode haver fé antes de eu estar seguro de que o Evangelho vai operar. Com efeito, milhares de pessoas têm profunda convicção de que o Evangelho operará, as quais todavia nunca creram. A convicção necessária é a que tem em vista a necessidade experimentada e a reivindicação que o Evangelho faz, e ela deve ser posta à prova. Jesus disse aos que em certa ocasião o criticavam; "Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus ou se eu falo de mim mesmo" (Jo 7.17). Com certeza era uma prova perfeitamente justa. Aquele que põe à prova o Evangelho obedecendo-o, descobrirá se sua reivindicação de poder é acurada.
Quando o homem se convence de que, na presença de sua necessidade e da reivindicação que o Evangelho faz, ele deve pô-lo à prova, ele chegou à verdadeira atitude de mente na qual é possível ele exercer a fé. A fé, então, é volitiva. Esta é a responsabilidade central da alma. A fé não é um sentimento que vem surrupiando através da alma. A fé não é uma inclinação ao Senhor Jesus Cristo. A fé não é uma convicção intelectual. A fé é o ato volitivo que decide, na presença de grande necessidade e de grande reivindicação, pôr à prova essa reivindicação pela obediência a ela.
A conduta é a expressão resultante; a conduta que está de acordo com as reivindicações feitas pelo Evangelho, imediata c progressivamente. Qualquer que seja a proclamação que 0 Evangelho faça à alma, esta deve pôr à prova o Evangelho obedecendo-o. Invariavelmente, quando a alma sob convicção de pecado vai a Cristo, tudo é enfocado num ponto; e quando o Evangelho é obedecido haverá outras chamadas feitas à alma por este Evangelho, quais sejam, a chamada da pureza e da justiça como também da misericórdia e do amor. A fé é o ato volitivo que põe à prova o Evangelho pela obediência às suas reivindicações. Esta é a condição da apropriação.
A situação é iluminada para a alma investigativa pela palavra explicativa: "Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé". Esta é a exposição do que ele já escreveu concernente ao Evangelho, tanto no que toca à natureza do poder que é residente em si, quanto no que Doca à lei pela qual o poder é apropriado por cada pessoa individualmente. A declaração de que no Evangelho há uma revelação da justiça de Deus não significa que o Evangelho revelou o fato de que Deus é justo. Essa revelação precedeu em tempo o Evangelho; encontra-se na Lei; encontra-se na história humana; encontra-se em todos os lugares no coração humano.
Fora desse conhecimento vem a agonia da alma que vai à procura de um evangelho. A declaração significa claramente que o Evangelho revela o fato de que Deus coloca a justiça à disposição dos homens que em si mesmos são injustos; que Ele torna possível ao injusto tornar-se justo. Esta é a exposição da salvação. A salvação é a justiça tornada possível. Se você me disser que a salvação é a libertação do inferno, eu lhe direi que você tem um entendimento totalmente inadequado do que é salvação. Se você me disser que a salvação é o perdão de pecados, eu afirmarei que você tem uma compreensão muito parcial do que é salvação.
A menos que haja mais na salvação que libertação da pena e perdão das transgressões cometidas, então assevero solenemente que a salvação não pode satisfazer meu coração e consciência. Este 6 0 significado da carta que recebi: mero perdão de pecados e libertação da pena não podem satisfazer o mais profundo da consciência humana. Bem no fundo em comum na consciência humana há uma resposta maravilhosa ao que é de Deus. O homem pode não obedecê-lo, mas ali nas profundezas da consciência humana há uma resposta à justiça, uma admissão de sua chamada, sua beleza, sua necessidade. A salvação é tornar possível essa justiça. A salvação é o poder para fazer o bem. Por mais enfraquecida que a vontade esteja, por mais contaminada que esteja a natureza, o Evangelho surge trazendo aos homens a mensagem de poder que os capacita a fazer o bem. No Evangelho está revelada a justiça de Deus; e como o apóstolo argumenta e deixa bastante claro à medida que prossegue com a grande carta, é uma justiça que é colocada à disposição do injusto de forma que o ele possa se tornar justo no coração, pensamento, vontade e ação. A menos que isso seja o Evangelho, não há Evangelho. Paulo afirma que era o Evangelho que ele ia pregar em Roma.
Assim chegamos a uma frase que está cheia de luz. Ele nos diz que esta justiça ali revelada, revelada no Evangelho, é "de fé em fé"; e nesta frase ele nos fala exatamente como os homens recebem este poder. Ele já nos disse que é para todo aquele que crê, então nos faz uma exposição dessa frase. Assim como nos fez uma exposição da "salvação" conforme a revelação da justiça de Deus à disposição dos homens, agora ele nos faz uma exposição da frase "todo aquele que crê" na frase "de fé em fé".
A frase é ao mesmo tempo simples e difícil. Não há o que duvidar quanto à estrutura. Tomando a frase como está e olhando-a gramaticalmente à parte de seu contexto, é evidente que a segunda "fé" é fé resultante. A fé secundariamente referida origina-se na primeira. "De fé em fé". É fato surpreendente o quanto quase todos os expositores têm sido bem-sucedidos em passar apressadamente por esta frase. O que o apóstolo quis dizer? Ele quis dizer que é uma fé inicial por parte do homem, que resulta numa fé ainda mais firme? É possível; mas há outra explicação. Acredito que o apóstolo Paulo quis dizer que no Evangelho está revelado uma justiça que está à disposição do pecador, pela fé de Deus para a fé do homem. A fé de Deus produz fé no homem. A fé de Deus. Deve tal frase ser usada acerca dEle? Sem dúvida, se a fé é certeza, confiança e atividade fundamentada na confiança. A fé de Deus é fé em si mesmo, em seu Filho e no homem. Com base na fé de Deus em si mesmo, com base na sua fé em seu Filho e com base na sua fé no homem, Ele coloca através do Filho uma justiça à disposição do homem apesar do pecado. Esta fé de Deus torna-se, quando é apreendida, a inspiração de uma fé responsiva no homem.
Inspirado pela fé de Deus, eu confio nEle. Eu ajo em consonância com a fé que Ele demonstrou na história humana, pelo envio de seu Filho e por toda a provisão da graça infinita.
Volto-me para antes desta epístola e observo uma vez mais o Senhor Jesus como Deus me foi revelado por Ele; e é o que Ele sempre fez ao lidar com pecadores. Ele sempre pôs confiança neles para inspirar-lhes a confiança nEle. ''Se tu podes fazer alguma coisa'", disse um homem a Jesus— se tu podes! — Tudo é possível ao que crê" (Mc 9-22,23), foi a resposta dEle. Era a declaração do Senhor acerca da confiança que Ele tinha na possibilidade do homem que estava diante do sentimento da própria apavorante fraqueza. Há muitas ilustrações mais notáveis e excelentes no Novo Testamento. Ele sempre lidou com os homens com base na confiança que tinha neles; em todo o seu potencial, a despeito do fracasso; sempre na condição de que eles poriam uma confiança responsiva nEle. Ilustração suprema deste fato é oferecida no cenáculo na noite anterior à crucificação, quando Ele lidava com os discípulos à vista da proximidade de sua partida.
Observe atentamente a conversa do Senhor com Pedro. Pedro, exigindo entendê-lo, em agonia diante das incertezas que se lhe abatiam, disse: 'Senhor, para onde vais? Jesus lhe respondeu: Para onde eu vou não podes, agora, seguir-me, mas, depois, me seguirás. Disse-lhe Pedro: Por que não posso seguir-te agora? Por ti darei a minha vida. Respondeu-lhe:
Jesus: [...] Na verdade, na verdade te digo que não cantará o galo, enquanto me não tiveres negado três vezes. Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. [...] Vou preparar-vos lugar. E, se eu for, [...] virei outra vez e vos levarei para mim mesmo" (Jo 13-36-38;14.1-3).
Tiremos desta conversa seu valor central. É a confiança de Cristo. Ele disse a Pedro com efeito: "Eu sei o pior que está em você, as forças que você ainda não conhece que dentro de vinte e quatro horas o farão negar me,amaldiçoando e praguejando; eu sei o pior; mas se você confiar em mim, realizarei o melhor em você. Eu conheço o que há de melhor em você. Eu tenho perfeita confiança em você, contanto que você tenha confiança em mim".
Permitam-me fazer uma declaração superlativa. O que quer que pensemos sobre o gênero humano, Cristo julgou digno de morrer por ele! Ele acreditou nisso, apesar do pecado, apesar do fracasso indescritível do mundo. Em todas as histórias da Bíblia, quando Ele confrontou os pecadores, Ele acreditou neles. Ele conhecia a incapacidade deles. Ele sabia que de si mesmos eles não podiam fazer nada; mas Ele também sabia que neles estava o mesmo material do qual Ele poderia fazer os santos brilharem e cintilarem em luz para sempre. Apesar do dano do pecado, havia neles algo com que Ele podia lidar. Se posso tomar emprestado um termo inadequado usado pelos antigos teólogos, Deus crê na "salvabilidade" de todos os homens. Deus põe a justiça à disposição do homem pela fé nEle, no seu Filho e no homem, à cuja disposição Ele a coloca. Se isso for imediatamente percebido, os homens respondem à fé de Deus pela fé nEle.
Saiamos do âmbito da argumentação para o âmbito da experiência.
Todos os verdadeiros obreiros cristãos — homens e mulheres que sabem o que é realmente entrar em contato estreito com pecadores, a cujas vidas prestam assistência espiritual — descobriram que o modo de tirar os homens do lamaçal do desalento é fazê-los perceber que eles acreditam neles. O modo de erguer de volta a mulher que caiu em degradação é mostrar-lhe que você sabe que ela é capaz do mais sublime e do mais nobre no poder do Evangelho de Jesus Cristo. "De fé em fé''. Pela fé é revelada a justiça de Deus no Evangelho. Pela confiança que Deus põe em si mesmo e pela confiança que Ele tem no potencial de cada vida humana, Ele colocou a justiça à disposição do homem por Cristo. Ninguém jamais se aproveitará disso exceto pela fé. Ninguém pode se apropriar da grande provisão, a não ser quando responde de fé em fé. Assim que esta fé de Deus no homem é respondida pela fé do homem em Deus, então é estabelecido contato entre a dinâmica que é residente dentro de si mesmo e posto à disposição dos homens pelo mistério da paixão divina e pela fraqueza e incapacidade da alma humana.
Este era o Evangelho do qual Paulo não se envergonhava. Tal é o Evangelho. A precisão da teoria só pode ser demonstrada mediante os resultados. Este é o tema total. Estou aqui hoje ã noite para afirmai mais uma vez, e faço-o não mais como teoria, faço-o como experiência, falo deste momento em diante não como defensor, mas como testemunha, quando declaro que "o evangelho [...] é o poder de Deus para salvação". Por mais duro e severo que pareça a afirmação no presente instante, sou constrangido e compelido a asseverar que se o Evangelho não opera, a falha está no homem e não no Evangelho. Se não for verdadeiro, a história cristã é mentira. Se for verdadeiro, então todos os milhares e dezenas de milhares de seres humanos que durante dois milênios declararam que o Evangelho foi feito neles, foram lamentavelmente enganados ou muito misteriosamente cometeram fraude ao longo dos séculos e milênios. Se não opera, então o homem que afirma estar livre do ataque do pecado é mentiroso e está pecando em segredo. Ou esta declaração é verdadeira ou o Evangelho é um engano terrível e permite aos homens esconderem pecados secretos. Peço que você repense. Se você imaginou que não há dinâmica no Evangelho, repense, examine novamente a própria vida e descubra se você entrou ou não em linha com as reivindicações do Evangelho c cumpriu suas condições.
Eu afirmo que não é o bastante que o homem odeie o pecado e clame por ajuda; ele tem de se por em linha com o poder que opera; ele tem de cumprir as condições formuladas. Não é o bastante submeter-se ao Senhor; o homem também tem de resistir ao Diabo. Não é o bastante resistir ao Diabo; o homem também tem de se submeter ao Senhor. Há homens que se submetem c clamam por ajuda, mas não lutam contra as tentações. Eles nunca se apropriarão do poder. Há homens que lutam estrenuamente contra as tentações, mas nunca se submetem, nunca oram, nunca buscam ajuda. Jamais encontrarão libertação. "O evangelho [...] é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê". É no Evangelho que está revelado o fato de que a justiça como poder está à disposição dos pecadores pela fé de Deus no homem, inspirando a fé do homem em Deus.
Quando o homem descobre o poder deste Evangelho, ele faz tanto quanto se submeter imediata e completamente à sua reivindicação. Se este fosse o tempo e a ocasião, que não são, eu poderia chamar testemunhas. Elas estão nesta casa; homens que conhecem estas mesmas] tentações delicadamente referidas nesta carta, tentações sutis e insidiosas; mas que também sabem que o Evangelho significou para eles o poder que os permite fazer as coisas que eles queriam fazer, mas não podiam até que creram neste Evangelho.
Gostaria que minha última observação neste discurso fosse um apelo a todo aquele que está face a face com este problema. Meu irmão, Deus acredita em você, apesar de todo o pior que há em você. Deus conhece o que há de pior em você, melhor que você mesmo. Não obstante, Ele acredita em você; e porque Ele acredita no seu potencial, Ele proveu justiça no e pelo Filho do seu amor, e pelo mistério da sua paixão. Quero que você responda à fé de Deus em você pondo sua fé nEle e demonstrando a fé que você tem fazendo a próxima coisa em obediência. Você também descobrir que o Evangelho c o poder de Deus; não teoria, não inferência, mas poder, o qual entrando em sua vida, realiza através dela a obra de Deus e o faz experimentar todos os atributos da santidade, da justiça e da beleza sublime e eterna.
JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ
John Wesley

 

 
"Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça". (Romanos 4:5)

 
1. Como um pecador pode ser justificado diante de Deus, o Senhor e Juiz de todos, não é uma questão de importância comum a todo filho do homem. Ela contém o alicerce de toda nossa esperança, visto que, enquanto estamos em inimizade com Deus, não pode haver paz verdadeira, nem alegria sólida, quer no tempo ou na eternidade. Que paz pode existir lá, enquanto nosso próprio coração nos condena; e muito mais, Ele que é "maior do que nosso coração, e sabe todas as coisas?". Que alegria sólida, seja neste mundo ou no vindouro, enquanto "a ira de Deus habita sobre nós?".

 
2. E, ainda assim, quão pouco esta importante questão tem sido entendida! Que noções confusas muitos têm com respeito a ela! Na verdade, não apenas confusas, mas freqüentemente extremamente falsas; contrárias à verdade, como a luz da escuridão; noções absolutamente inconsistentes com os oráculos de Deus, e com toda a analogia da fé. E desta forma, errando, concernente ao próprio alicerce, eles não podem possivelmente construir nelas; pelo menos, não "ouro, prata, ou pedras preciosas", que resistiriam, quando testados, através do fogo; mas apenas "feno e restolho", que nem são aceitáveis para Deus, nem de proveito para o homem.

 
3. Com o objetivo à justiça, tanto quanto me cabe, à vasta importância do assunto, salvar, aqueles que buscam a verdade na sinceridade, das "vãs disputas e rivalidades de palavras"; clarear a confusão de pensamento, por meio das quais, muitos têm sido conduzidos, e dar a eles as concepções verdadeiras e justas deste grande mistério da santidade, eu me esforçarei para mostrar:

 
  1. Qual o alicerce geral de toda a doutrina da Justificação.
  2. O que é a justificação.
  3. Quem são aqueles que são justificados.
  4. Em que condições eles são justificados.

 
I

 
    Em Primeiro Lugar, eu vou mostrar qual o alicerce geral de toda esta doutrina da justificação.

 
    1. Na imagem de Deus o homem foi feito, santo como ele que o criou é santo; misericordioso, como o Autor de tudo é misericordioso; perfeito, como seu Pai no céu é perfeito. Como Deus é amor, então o homem, habitando no amor, habita em Deus, e Deus no homem. Deus o fez para ser uma "imagem de sua própria eternidade"; um retrato incorruptível do Deus da glória. Ele era, portanto, puro, como Deus é puro, de toda mancha de pecado. Ele não conhecia o mal, de nenhum tipo ou grau, mas era interior e exteriormente desprovido de pecado e imaculado. Ele "amou o Senhor seu Deus com todo seu coração, e com toda sua mente, e alma e força".

 
    2. Ao homem correto e perfeito, Deus deu a lei perfeita, para a qual ele requereu completa e perfeita obediência. Ele requereu completa obediência em todos os pontos, e isto para ser executado, sem qualquer interrupção, do momento em que o homem se tornou uma alma vivente, até o momento que seu julgamento terminasse. Nenhuma redução fora feita para quem não atingiu o objetivo, e proveu totalmente para toda boa palavra e obra.

 
    3. Para a completa lei do amor que estava escrita em seu coração (contra a qual, talvez, ele não poderia pecar diretamente), pareceu bom à soberana sabedoria de Deus, adicionar uma lei concreta: "Tu não deverás comer do fruto da árvore que cresce no meio do jardim"; anexando esta penalidade nela: "No dia em que comeres dela, tu certamente morrerás".

 
    4. Tal, então, era o estado do homem no Paraíso. Através do amor gratuito, e imerecido de Deus, ele era santo e feliz: Ele conhecia, amava, e desfrutava de Deus, que é, em essência, vida eterna. E nesta vida de amor, ele continuaria para sempre, se ele continuasse a obedecer a Deus em todas as coisas; mas, se ele O desobedecesse, de algum modo, ele perderia todo o direito. "Neste dia", diz Deus, "tu certamente morrerás".

 
    5.
O homem desobedeceu a Deus. Ele "comeu da árvore, da qual Deus ordenou, dizendo: não deverás comer dela". E neste dia, ele foi condenado pelo julgamento reto de Deus. Então, também a sentença a respeito do que ele foi advertido antes, começou a tomar lugar sobre ele. Do momento em que ele testou daquele fruto, ele morreu. Sua alma morreu; foi separada de Deus; separada de Deus, a alma não teria mais vida do que o corpo tem, quando separado da alma. Seu corpo, igualmente tornou-se corruptível e mortal; de modo que a morte, então, tomou lugar nisto também. E já sendo morto no espírito, morto para Deus, morto no pecado, ele apressou-se para a morte eterna; para a destruição tanto de seu corpo, quanto de sua alma, no fogo que nunca deverá se extinguir.

 
    6. Assim, "através de um homem o pecado entrou no mundo, e a morte, através do pecado. E então, a morte passou para todos os homens"; estando contida nele que foi o pai comum e representante de todos nós. Assim, "através da ofensa de um", todos estão mortos; mortos para Deus; mortos no pecado; habitando no corpo corruptível e mortal, brevemente a ser dissolvido, e sob a sentença da morte eterna. Assim como, "através da desobediência de um homem", todos "foram feitos pecadores", então, pela ofensa de um, "o julgamento veio sobre todos os homens para a condenação".
(Romanos 5:12 &c).

 
7. Neste estado estivemos, mesmo toda a humanidade, quando "Deus assim salvou o mundo; no que deu seu Unigênito Filho, para que não perecêssemos, mas tivéssemos a vida eterna". Na plenitude do tempo, Ele foi feito Homem; um outro Líder comum da humanidade; um segundo Pai geral e Representativo de toda a raça humana. E como tal, foi que Ele "carregou nossas aflições". "O Senhor colocando sobre Ele as iniqüidades de nós todos". Então, ele foi "ferido por nossas transgressões, e machucado por nossas iniqüidades"."Ele fez de Sua alma uma oferta pelo pecado": Ele derramou seu sangue pelos transgressores: Ele "carregou nossos pecados em seu próprio corpo no madeiro", para que, através de suas chicotadas, pudéssemos ser curados: E, através desta oblação de si mesmo, uma vez oferecida, ele redimiu a mim e toda a humanidade; tendo, por meio disto, "feito um sacrifício e penitência completos, perfeitos e suficientes pelos pecados de todo o mundo".

 
8. Em consideração disto, de que o Filho de Deus "experimentou a morte por todo homem", Deus agora "reconciliou o mundo para si mesmo", não imputando a eles suas "transgressões" anteriores. E, assim, "como pela ofensa de um, o julgamento veio sobre todos, para condenar; do mesmo modo, através da retidão de um, o dom livre veio sobre os homens para a justificação". De maneira que, por causa de seu bem-amado Filho; do que fez e sofreu por nós, Deus agora concedeu, sob uma condição apenas (que Ele mesmo nos capacita também a executar), tanto o desistir da punição devida por nossos pecados; nos restabelecer em seu favor, e restaurar nossas almas mortas para a vida espiritual, quanto a garantia da vida eterna.

 
9. Isto, portanto, é o alicerce de toda a doutrina da justificação. Através do pecado do primeiro Adão, que não foi apenas o pai, mas igualmente o representante de todos nós; não alcançamos o favor de Deus; tornamo-nos filhos da ira; ou, como o Apóstolo expressa isto, "o julgamento veio sobre todos os homens para a condenação". Da mesma forma, através do sacrifício pelo pecado, feito pelo Segundo Adão, como o Representante de todos nós, Deus é, deste modo, reconciliado para o mundo; fazendo com ele uma nova aliança; a condição clara disto, sendo uma vez cumprida, "não existe mais condenação" para nós, mas "somos justificados livremente pela Sua graça, através da redenção que está em Jesus Cristo".

 
II

 
1. Mas o que é ser "justificado?". O que é a "justificação?". Esta é a Segunda coisa que eu proponho mostrar. E é evidente do que já foi observado, que não é o verdadeiramente justo e reto. Esta é a "santificação"; que é, de fato, em algum grau, o fruto imediato da justificação; mas, não obstante, é um dom distinto de Deus, e de uma natureza totalmente diferente. Uma implica o que Deus faz por nós, através de seu Filho; a outra, o que ele opera em nós, através de seu Espírito. De maneira que, apesar de que algumas raras instâncias possam ser encontradas, em que o termo "justificado", ou "justificação" é usado em um sentido tão amplo, de maneira a incluir a "santificação" também; ainda assim, em uso geral, eles são suficientemente distinguidos um do outro, ambos através de Paulo e de outros escritores inspirados.

 
2. Nem este conceito forçado, de que a justificação é nos limpar da acusação, particularmente aquela de satanás, é facilmente demonstrável de algum texto claro dos santos escritos. Em todo o relato bíblico sobre este assunto, como colocado acima, nem aquele acusador, nem sua acusação parecer ser tomada, afinal. Na verdade, não se pode negar que ele seja o "acusador" dos homens, enfaticamente assim chamado. Mas, de modo algum, parece que o grande Apóstolo faz alguma referência a isto, mais ou menos, em tudo que ele escreveu no tocante à justificação, quer para os Romanos ou os Gálatas.

 
3. É também muito mais fácil tomar por certo, do que provar de algum testemunho bíblico claro, que a justificação é nos limpar da acusação trazida contra nós pela lei: De qualquer forma, se esta maneira de falar, forçada e artificial, significar nem mais, nem menos do que isto, que nós transgredimos a lei de Deus, e por meio disto merecemos a condenação do inferno, Deus não impõe naqueles que são justificados a punição que eles mereceriam.

 
4. Menos do que tudo, a justificação implica que Deus seja enganado com respeito àqueles aos quais Ele justifica; que Ele pense que eles sejam, o que de fato eles não são; que Ele os considera de uma maneira diferente do que são. De modo algum isto implica que Deus julga concernente a nós, contrário à natureza real das coisas; que Ele nos considera mais do que realmente somos, ou nos acredita mais retos, quando somos pecaminosos. Certamente que não. O julgamento do todo sábio Deus é sempre de acordo com a verdade. Nem pode isto consistir sempre com sua sabedoria infalível, pensar que eu sou inocente; julgar que eu sou reto ou santo, porque outro é assim. Ele não pode mais, deste modo, confundir-me com Cristo, do que com Davi ou Abraão. Que algum homem a quem Deus deu entendimento, pese isto, sem preconceito; e que ele não possa deixar de perceber que tal noção de justificação nem é reconciliável com a razão, nem com as Escrituras.

 
5. A noção bíblica clara da justificação é a absolvição, o perdão dos pecados. Por meio deste ato de Deus, o Pai; por causa do sacrifício expiatório feito, através do sangue de seu Filho, é que ele "demonstrou sua retidão (ou misericórdia) pela remissão dos pecados que são passados". Este é relato fácil, natural dela, dado por Paulo, através de toda esta Epístola. Assim, ele mesmo a explica, mais especificamente neste e no capítulo seguinte. Desta forma, nos versos seguintes, mas em um lugar, para o texto: "Abençoado são aqueles", diz ele, "cujas iniqüidades são perdoadas, e cujos pecados são ocultos: Abençoado é o homem a quem o Senhor não imputará pecado". A ele que é justificado ou perdoado, Deus "não imputará pecado" à sua condenação. Ele não o condenará naquele relato, quer neste mundo ou no vindouro. Seus pecados, todos os seus pecados passados, em pensamento, palavra e feito, estão ocultos, estão apagados, e não deverão ser lembrados ou mencionados contra ele, não mais do que se eles não tivessem existido. Deus não infligirá naquele pecador o que ele mereceu sofrer, porque o Filho do seu amor sofreu por ele. E do momento em que somos "aceitos, através do Amado", "reconciliados para Deus, através de seu sangue", ele ama, e abençoa, e zela por nós para o bem, como se nós nunca tivéssemos pecado.

 
De fato, o Apóstolo, em um lugar parece estender o significado da palavra, muito mais além, onde ele diz: "não os ouvintes da lei, mas os fazedores da lei, deverão ser justificados". Aqui ele parece se referir à nossa justificação, para a sentença do grande dia. E assim, o próprio nosso Senhor, inquestionavelmente faz, quando ele diz: "Através de tuas palavras, tu deverás ser justificado"; provando por meio disto, que "para cada palavra inútil que os homens possam falar, eles deverão dar um relato naquele dia do julgamento". Mas, talvez, possamos dificilmente produzir uma outra instância do uso, por Paulo, da palavra naquele sentido remoto. No teor geral dos seus escritos, é evidente que não; e menos do que tudo, no texto diante de nós, que inegavelmente fala, não daqueles que já "terminaram seu curso", mas daqueles que estão exatamente agora "partindo", apenas começando "a corrida que se coloca diante deles".

 
III

 
1. Mas esta é a terceira coisa a ser considerada, ou seja: Quem são aqueles que são justificados? E o Apóstolo nos diz expressamente, os ímpios: "Ele (ou seja, Deus) justifica o ímpio"; o ímpio de todo o tipo e grau; e ninguém mais, a não ser o ímpio. Como "aqueles que são retos não necessitam de arrependimento", então, eles não necessitam de perdão. Apenas os pecadores têm alguma oportunidade para o perdão: O pecado apenas é que admita ser perdoado. Perdão, portanto, tem uma referência imediata com o pecado, e, neste aspecto, com nada mais. É para com nossa "iniqüidade", que o Deus perdoador é "misericordioso": É da nossa "iniqüidade", que Ele "não se lembra mais".

 
2. Isto parece não ser, afinal, considerado por aqueles que tão veementemente afirmam que um homem deva ser santificado, ou seja, santo, antes que ele possa ser justificado; especialmente, através de tais que afirmam que a santidade ou obediência universal deva preceder a justificação. (A menos que eles queiram dizer aquela justificação, do ultimo dia, que está totalmente fora da presente questão). Muito longe disto, que a própria suposição não é apenas completamente impossível (porque onde não existe amor a Deus, não existe santidade; e não existe amor a Deus, a não ser da consciência de seu amor por nós), mas também grosseiramente, e intrinsecamente absurda, e contraditória em si mesma. Porque não é um santo, mas um pecador que é perdoado, e sob a noção de um pecador. Deus não justifica o devoto; não aqueles que já são santos, mas o ímpio. Em que condição ele faz isto, será considerado rapidamente: mas o que quer que seja, ela não pode ser santidade. Afirmar isto é dizer que o Cordeiro de Deus tira apenas aqueles pecados que já foram tirados antes.

 
3. Então, o bom Pastor busca e salva apenas aqueles que já foram encontrados? Não: Ele busca e salva aqueles que estão perdidos. Ele perdoa aqueles que necessitam de sua misericórdia redentora. Ele salva da culpa do pecado (e, ao mesmo tempo, do poder); pecadores de todos os tipos, de todos os graus: homens que, até então, eram totalmente pecaminosos; nos quais o amor do Pai não estava: e, conseqüentemente, nos quais não habitava coisa boa; nada bom ou verdadeiramente de temperamento cristão, -- mas todos os tais que eram maus e abomináveis: o orgulho, ira, amor ao mundo – os frutos genuínos daquela "mente carnal" que é "inimiga contra Deus".

 
4. Esses que estão doentes, cujo peso dos pecados é intolerável, são aqueles que necessitam de Médico; esses que são culpados, e que gemem, sob a ira de Deus, são os que precisam de perdão. Esses que "já" estão "condenados", não apenas por Deus, mas também, através de suas próprias consciências, como por meio de milhares de testemunhas, de todas as suas iniqüidades, tanto em pensamento, palavra e obra, clamam por Aquele que "justifica o ímpio", através da redenção que está em Jesus; -- o incrédulo, e "aquele que não pratica as boas obras"; que não pratica coisa alguma que seja boa, que seja verdadeiramente virtuosa ou santa, mas apenas o que é mal continuamente, antes de ser justificado. Porque seu coração é necessariamente, essencialmente mal, até que o amor a Deus seja espalhado nele. E enquanto a árvore é corrupta, assim serão os frutos. "porque uma árvore má não produz frutos bons".

 
5. Se for objetado: "Mas um homem antes que seja justificado, pode alimentar o faminto, ou vestir o nu; e essas são boas obras"; a resposta é fácil: Ele pode realizar essas, até mesmo antes que seja justificado; e essas são, de certa forma, "boas obras"; elas são, estritamente falando, boas em si mesmas, ou boas aos olhos de Deus. Todas verdadeiramente "boas obras" (para usar as palavras de nossa igreja) "sucedendo a justificação"; e elas são, portanto, boas e "aceitáveis a Deus em Cristo", porque elas "brotam de uma fé viva verdadeira". Por uma paridade de motivo, todas as "obras feitas antes da justificação não são boas"; no sentido cristão; "visto que elas não brotam da fé em Jesus Cristo"; (embora elas possam brotar do mesmo tipo de fé em Deus); "sim, antes, porque aquelas que não são feitas como Deus tem desejado e ordenado que sejam feitas, não duvidamos" (por mais estranho que possa parecer a alguns) "que elas tenham a natureza do pecado".

 
6. Talvez, aqueles que duvidam disto não tenham considerado devidamente o peso do motivo que é aqui afirmado; porque nenhuma obra feita antes da justificação poderá ser verdadeira e propriamente boa. O argumento transcorre plenamente assim: --

 
  • Nenhuma obra que não seja feita, como Deus deseja e ordena que seja feita, é boa.
  • Mas nenhuma obra feita antes da justificação é feita, como Deus deseja e ordena a eles que seja feita.
  • Portanto, nenhuma obra feita antes da justificação é boa.

 
    A primeira proposição é auto-evidente; e a segunda, que nenhuma obra feita antes da justificação é feita como Deus deseja e comanda que seja feita, parecerá igualmente clara e inegável, se considerarmos apenas que Deus quer e ordena que "todas as nossas obras" possam "ser feitas na caridade"; (em ágape) no amor, naquele amor a Deus que produz amor a toda a humanidade. Mas nenhuma de nossas obras pode ser feita neste amor, enquanto o amor do Pai (de Deus como nosso Pai) não está em nós; e este amor não pode estar em nós, até que recebamos o "Espírito de Adoção, clamando em nossos corações, Aba, Pai". Se, portanto, Deus não 'justifica o ímpio', e ele que (neste sentido) "não faz boas obras", então, cristo morreu em vão; então, não obstante sua morte, nenhuma carne viva poderá ser justificada.

 
IV

 
1. Mas em que termos, então, é justificado aquele que é completamente "pecaminoso", e até aquele momento, "não praticou as boas obras?". Em um único apenas: que é a fé: "Crer naquele que justifica o ímpio". E "ele que crê, não é condenado"; mas, "passa da morte para a vida". "Porque a retidão (ou misericórdia) de Deus é pela fé em Jesus Cristo, junto a todos e sobre todos aqueles que crêem: -- A quem Deus enviou para a expiação, através da fé em seu sangue; para que ele pudesse ser justo, e" (consistentemente com Sua justiça) "Justificador daquele que crê em Jesus": "Portanto, concluímos que um homem é justificado pela fé, sem as ações da lei";
sem a obediência prévia à lei moral, que, na verdade, ele não teria, até agora, como executar. Que a lei moral, e esta somente, que aqui está pretendida, aparece evidentemente das palavras que se seguem: "Nós tornamos a lei nula, através da fé? Deus proíbe: Sim. Nós estabelecemos a lei. Que lei estabelecemos pela fé? Não a lei ritual: Não a lei cerimonial de Moisés. De modo algum; mas a grande, e imutável lei do amor; do amor santo a Deus e ao nosso próximo".

 
2. A fé, em geral é a "elegchos", "evidência" ou "convicção" divina, sobrenatural, "das coisas que não são vistas"; não são reveladas, através de nossos sentidos corpóreos, como sendo tanto passado, futuro ou espiritual. A fé justificadora implica, não apenas a evidência ou convicção divina de que "Deus esteve em Cristo, reconciliando o mundo junto a Si mesmo"; mas a confiança e segurança certa de que Cristo morreu por "meus" pecados; de que Ele "me" amou, e deu a Si mesmo por "mim". E naquele momento, por mais que um pecador que assim crê, esteja na tenra infância, na força dos anos, ou quando ele está idoso e de cabelos grisalhos, Deus justifica aquele ímpio. Deus, por amor de seu Filho, perdoa e absolve aquele que tinha em si mesmo, até então, nenhuma coisa boa. Arrependimento, na verdade, Deus deu a ele antes; mas este arrependimento foi, nem mais nem menos, uma profunda consciência da falta de todo o bem, e da presença de todo o mal em si mesmo. E qualquer bem que ele tenha, ou faça do momento em que ele crê em Deus, através de Cristo, a fé não é "descoberta", mas "produzida". Este é o fruto da fé. Primeiro, a árvore é boa, e, então, o fruto é também bom.

 
3. Eu não posso descrever a natureza desta fé, melhor do que nas palavras de nossa própria igreja: "O único instrumento da salvação" (do qual a justificação é um ramo) "é a fé; ou seja, a confiança e convicção verdadeiras de que Deus, tanto perdoou nossos pecados, quanto nos aceitou novamente em Seu favor, pelos méritos da morte e paixão de Cristo". -- Mas aqui nós devemos prestar atenção, que nós não hesitamos com Deus, através de uma fé inconstante e indecisa: Porque Pedro fraquejou na fé, quando veio até Jesus, por sobre as águas, ele correu o risco de afogar-se; assim nós, se ficarmos indecisos ou em dúvida, é de se temer que possamos afundar como Pedro o fez; não na água, mas no abismo sem fim do fogo do inferno". (Sermão sobre a Paixão)

 
"Portanto, tem uma fé segura e constante, não apenas aquela da morte de Cristo que é acessível a todo o mundo, mas a de que Ele fez um completo e suficiente sacrifício por 'ti'; uma perfeita limpeza de 'teus' pecados. De modo que tu possas dizer com o Apóstolo, que Ele amou a 'ti', e deu a si mesmo por 'ti'. Porque isto é fazer Cristo 'teu', e aplicar Seus méritos em 'ti mesmo'". (sermão sobre o Sacramento, Primeira Parte)

 
4. Por afirmar que esta fé é o termo ou "condição da justificação", eu quero dizer, Primeiro, que não existe justificação sem ela. "Ele que não crê já está condenado"; e por quanto tempo ele não crê aquela condenação não pode ser removida, mas "a ira de Deus habita nele". Como "não existe outro nome debaixo do céu", do que o de Jesus de Nazaré; nenhum outro mérito, por meio do qual, um pecador condenado possa sempre ser salvo da culpa do pecado; então não existe outro caminho de obter a porção em seus méritos, do que "pela fé em seu nome". De maneira que, por quanto tempo estamos sem esta fé, somos "estranhos para a aliança da promessa"; somos "forasteiros da comunidade de Israel, e sem Deus no mundo". Quaisquer que sejam as virtudes (assim chamadas) que um homem possa ter, -- eu falo daqueles junto aos quais o Evangelho é pregado: porque "o que devo fazer para julgar aqueles que estão sem?" – quaisquer boas obras (então computadas), que ele possa fazer, serão de nenhum proveito; ele ainda é um "filho da ira", ainda está sob a maldição, até que creia em Jesus.

 
5. Fé, portanto, é a condição "necessária" da justificação; sim, e a "única" condição "necessária". Este é o Segundo ponto, cuidadosamente a ser observado; o de que, no mesmo momento, Deus dá à fé (uma vez que "ela é um dom de Deus"), ao "ímpio" que "não pratica as obras"; a "fé é conferida a ele como retidão". Ele não tem retidão, afinal, antecedente a isto, não tanto quanto retidão nula, ou inocência. Mas a "fé é imputada a ele, como retidão"; no mesmo momento em que ele crê. Não que Deus (como foi observado antes) pense que ele será o que ele não é. Mas como "ele fez Cristo ser pecado por nós", ou seja, tratado como um pecador; punido por nossos pecados; então, Ele reputou a nós retidão, do momento em que cremos nele: Ou seja, Ele não nos pune por nossos pecados; sim, nos trata como se fôssemos inocentes e retos.

 
6. Certamente, a dificuldade de reconhecer esta proposição, de que a "fé é a única condição da justificação", deve se erguer do não entendimento dela. Nós queremos dizer com isto, que ninguém é justificado; a única coisa que é imediatamente, indispensavelmente, e absolutamente requerida com o objetivo do perdão. Como, por um lado, embora um homem possa ter todas as coisas mais, sem a fé, ainda assim, ele não pode ser justificado; de maneira que, por outro, embora se suponha que ele necessite de tudo, ainda assim, ele tem fé, e ele não deixa de ser justificado. Suponha um pecador, de algum tipo ou grau, consciente de sua total iniqüidade, de sua completa inabilidade de pensar, falar, ou fazer algum bem, e na iminência do fogo do inferno; suponha que este pecador, desamparado, e desesperançado, atire-se totalmente na misericórdia de Deus em Cristo (o que, de fato, ele não pode fazer, a não ser pela graça de Deus); quem pode duvidar de que ele é perdoado naquele momento? Quem afirmará que algo mais é "indispensavelmente requerido", antes que aquele pecador possa ser justificado?

 
    Agora, se sempre existiram tais instâncias, desde o começo do mundo (e não tem sido milhares e milhares de vezes?), segue-se plenamente que a fé é, no sentido acima, a única condição da justificação.

 
7. Não se tornam vermes, medíocres, culpados, pecadores, os que recebem quaisquer bênçãos que eles desfrutam (da menor gota de água que refresca nossa língua, à imensidão de riquezas da glória na eternidade), da graça, do mero favor, e não do débito, perguntar a Deus as razões de sua conduta? Não é adequado para nós questionarmos "Aquele que não dá relato algum de seus caminhos"; exigir "por que Tu fazes da fé a condição; a única condição da justificação? Por que tu decretas que 'Aquele que crê', e ele apenas, 'deverá ser salvo?'". Este é o mesmo ponto no qual Paulo tão fortemente insiste, no novo Capítulo desta Epístola, a saber – Que os termos do perdão e aceitação devem depender não de nós, mas "Dele que nos chamou"; que não existe "falta de retidão em Deus", em fixar Seus próprios termos, não de acordo com os nossos, mas de acordo com seu bom prazer; Aquele que pode merecidamente dizer: "Eu terei misericórdia para com aqueles com quem tenho misericórdia"; ou seja, aquele que crê em Jesus."De maneira, que não cabe a ele que deseja, ou que vai ao encalço, escolher a condição na qual ele encontrará aceitação; mas a Deus que mostra misericórdia"; que aceita nada, afinal, a não ser do seu próprio dom do amor gratuito; de sua bondade que o homem não merece."Portanto, ele terá misericórdia em quem ele terá misericórdia", ou seja: daqueles que acreditarem no Filho do seu amor; mas quanto aos que não crerem, "Ele endurecerá", deixados, por fim, para a dureza dos seus corações.

 
8. Um motivo, portanto, podemos humildemente conceber, de Deus fixar esta condição para a justificação -- "Se tu creres no Senhor Jesus Cristo, tu serás salvo" -- foi com o objetivo de "impedir o orgulho do homem". O orgulho já destruiu os próprios anjos de Deus, lançou abaixo "a terça parte das estrelas do céu". Foi igualmente, em grande medida, devido a isto, quando o tentador disse: "Vocês devem ser deuses", que Adão caiu de sua própria firmeza, e trouxe o pecado e a morte para o mundo. Foi, portanto, um exemplo da sabedoria notável de Deus, apontar tal condição de reconciliação para Ele e todas as suas posteridades, quando efetivamente os humilharia, e os rebaixaria ao pó. E tal é a fé. Ela é peculiarmente adequada para esta finalidade: Uma vez que ele veio a Deus, através desta fé, deve fixar seus olhos, sozinho em sua própria iniqüidade, em sua culpa e impotência, sem ter o mínimo cuidado com algum bem suposto em si mesmo; para qualquer virtude ou retidão que seja. Ele deve vir como um "mero pecador", interior e exteriormente autodestruído, e autocondenado, trazendo nada para Deus, a não ser incredulidade apenas, não advogando coisa alguma de si mesmo, a não ser o pecado e miséria. Assim é, e somente assim, quando sua "boca é fechada", e ele se coloca completamente "culpado diante" de Deus, que ele poderá "olhar junto a Jesus", como toda e única "expiação para seus pecados". Assim somente, ele pode "ser encontrado Nele", e receber a "retidão que é de Deus, através da fé".

 
9. Tu, ímpio que ouves e lês estas palavras! Tu, pecador vil, desamparado, miserável! Eu te comprometo, perante Deus, o Juiz de todos, a ires até Ele, com toda a tua iniqüidade. Presta atenção, tu destróis tua própria alma, declarando, mais ou menos, tua retidão. Vá, tão completamente pecaminoso, culpado, destruído, merecendo e caindo no inferno; e tu, então, deverás encontrar favor aos olhos Dele, e saber que Ele justifica o pecador. Como tal, tu serás trazido junto ao "sangue que borrifa", como um pecador perdido, desamparado, e condenado. Assim, "olha para Jesus". Lá está "o Cordeiro de Deus", que "tira teus pecados!". Não advoga obra alguma, retidão alguma que sejam tuas! Nenhuma humildade, arrependimento, sinceridade! De modo algum. Isto seria, de fato, negar o Senhor que te comprou. Não: Declara simplesmente, o sangue da promessa, da redenção paga por tua alma orgulhosa, obstinada, pecadora. Quem és tu, que agora vês e sentes tanto tua iniqüidade interior quanto exterior? Tu és o homem! Eu quero a ti para meu Senhor! Eu "te" desafio a seres um filho de Deus, pela fé! O Senhor necessita de ti. Tu que sentes que és exatamente adequado para o inferno, és exatamente adequado para promover a glória Dele; a glória de Sua graça livre, justificando o pecaminoso, e aquele que não praticou as boas obras. Ó vem rapidamente! Crê no Senhor Jesus; e tu, até mesmo tu, serás reconciliado para Deus.

 
Fonte : Editado anonimamente no Memorial University of Newfoundland, com correções de George Lyons do Northwest Nazarene College (Nampa, Idaho) para Wesley Center for Applied Theology.













 

Não é de hoje que existe, uma grande diferença entre Arminianos e Calvinistas são quase quatrocentos anos de disputa teologia. Que as diferenças existem todos sabemos, mas de ambos os lados existe ideias extremistas. Mas vamos dar uma olhada em um relato que ocorreu em meio a esta disputa e dele tirarmos exemplos para nosso conduta como irmãos.

Este relato de uma conversa de Charles Simeon e Jonh Wesley.

O testemunho de Charles Simeon acerca da sua conversão, através de John Wesley, em 20 de Dezembro 1784 (a data encontra-se especificada no Wesley's Journal):

Charles Simeon: "Meu caro, eu entendo que você é o que chamam de arminiano; e certas pessoas me chamam de calvinista; e por isso mesmo, suponho que as pessoas esperam ver-nos prontos para brigar um contra o outro. Mas, antes de eu consentir em que se dê início ao combate, com sua licença, gostaria de lhe fazer algumas perguntas.

John Wesley: Diga-me, por favor.

Charles Simeon: “Você sente que é uma criatura tão depravada, mas tão depravada que nunca teria pensado em voltar para Deus, se Deus já não tivesse posto isto em seu coração antes?”

John Wesley: "É verdade, é isso mesmo."

Charles Simeon: "E você também se sentiria totalmente perdido, se tivesse que recomendar-se a Deus, baseado em alguma coisa que você pudesse fazer; e considera a salvação como algo que se deu exclusivamente pelo sangue e justiça de Cristo?"

John Wesley: "Sim, exclusivamente por Cristo."

Charles Simeon: "Mas então, meu caro, partindo do pressuposto de que você foi inicialmente salvo por Cristo, será que ainda assim você não teria que subsequentemente  de uma forma ou de outra, salvar-se a si mesmo por suas próprias obras?”

John Wesley: "É claro que não, pois eu devo ser salvo por Cristo do princípio ao fim".

Charles Simeon:" Admitindo, então, que foi inicialmente convertido pela graça de Deus, você, de um modo ou de outro, deve manter-se salvo por seu próprio poder?"

John Wesley: "Não!"

Charles Simeon: "Quer dizer, então, que você deve ser sustentado a cada hora e momento por Deus, tal como uma criança nos braços de sua mãe?"

John Wesley: "Sim, absolutamente."

Charles Simeon: "E quer dizer que toda a sua esperança está depositada na graça e misericórdia de Deus para sustentá-lo, até que venha o seu reino celestial?"

John Wesley: "Certamente, eu estaria completamente desesperado, se não fosse ele."

Charles Simeon: "Então, meu caro, com sua permissão vou levantar novamente a minha espada; pois isto não é nada mais nada menos do que o meu Calvinismo; eis aí as minhas teses da eleição, da justificação pela fé, perseverança final: eis aí, em essência, tudo o que eu defendo, e como o defendo; portanto, se lhe parecer bem, ao invés de ficar tentando descobrir termos ou expressões que sejam bom motivo de briga entre nós, unamo-nos cordialmente naquelas coisas em que concordamos.

Fonte: A Soberania de Deus e a Evangelização. J.I.Packer
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